Sou Maria Aparecida Nunes Barbosa da etnia Xacriabá. Moro na aldeia Barra do Sumaré II, município São João das Missões, Minas Gerais. Sou professora há 15 anos na minha aldeia. Sou estudante universitária da UFMG.

Há 3 anos que faço pesquisa sobre conflitos e sobrevivência do povo Xacriabá e municípios vizinhos, antes dos anos 1970.

Pensei em criar esse blog para divulgar meu trabalho e de outros colegas e dar oportunidade para outras pessoas conhecerem um pouco sobre as histórias do nosso povo, que a maior parte está só na mente dos mais velhos que eles estão levando com eles.

terça-feira, 12 de abril de 2011

ENTREVISTA COM SEU NININHO

ENTREVISTA COM SEU NININHO
Nome: Flaviano Romão Damasceno
Idade: 84 anos
Localidade: Fazenda Itacarambizinho Barreiro vermelho
Município: Congomarinho.

  • ONDE O SENHOR NASCEU?
Nasci no Burrachudo, municipio de Congomarinho.

  • OS PAIS DO SENHOR TAMBÉM ERAM DE LÁ?
Era. 

  • EU QUERIA QUE O SENHOR CONTASSE COMO ERA ANTIGAMENTE, A SOBREVIVÊNCIA, OS PLANTIOS.
Antigamente nós tocava roça, serviços de engenho; moía a seca toda, tem vez que começava no mês de abril e só terminava no mês de outubro, ia pra Januária dispor das rapaduras, quando não dispunha de tudo, a gente guardava, punha no paiol, e quando era no verão ia despor no mês de dezembro, aí era quatro dia de viagem, oito boi num carro para a viagem pra vender as rapaduras, cortava dia e noite. Nesse tempo era dois mirreis até três cada rapadura, uma carrada de rapadura era quinhentos a quatrocentos e cinquenta rapaduras, depende do carro, conforme os bois e o carro. O transporte que tinha era carro de boi e cavalo e burro, carga de jegue, não tinha esses transporte de hoje não.

  • NESSE TEMPO ONDE O SENHOR MORAVA NÃO TINHA VENDA?
Não, não tinha não. As vendas era em Januária, depois veio para o Bonito, era quatro léguas no Bonito, a gente saía para comprar um prato de sal, um prato de café, aí vinha embora, acontecia que chegava uma pessoa e tomava um pouco emprestado para quando ele comprasse, ele pagava. De premeiro tinha um empreste de medidas de tudo.
Só comprava café e sal, as outras coisas produzia aqui mesmo, o café era em grão. Desde quando a gente conhecia arroz, depois quando cabava, a gente comprava na Januária ou no Bonito, onde tivesse com casca.

  • O SENHOR LEVAVA SÓ RAPADURA PARA VENDER?
Não, levava para vender arroz e feijão. Eu mesmo levei uma carrada, vendi arroz a 11 mirreis a quarta. Pilava o arroz no pilão, porque se levasse com casca não vendia, na Januária já tinha um lugar onde já beneficiava, ai deste tempo que deu para levar com casca, quando a gente fazia uma festa, que casava uma filha, o arroz era tudo pisado no pilão para fazer aquela festa.

  • E A ROÇA FAZIA COMO HOJE?
A roça a gente queimava, aí cercava de madeira. Às vezes tinha arame, mas não podia comprar, e tinha muitas madeiras, cercava de madeira ou fazia cerca de varão.

  • O QUE PLANTAVA?
Plantava feijão e milho. Nos brejos plantava arroz. Quando era na seca, limpava o brejo e plantava feijão, às vezes era alto, mas tinha rego de água, plantava feijão e molhava regado, de oito em oito dia molhava o feijão. Era plantado o arroz no brejo premeiro e depois tirava e plantava milho e feijão. Na roça no alto plantava também milho e feijão, e no meio do milho, plantava mandioca. No alto plantava mamona para vender, o gás era difícil, aí fazia o azeite pra lumiar e fazia o pavio. Tinha uma xirquinha assim, que ponhava o azeite e lumiava.

  • O AZEITE SERVIA PARA MUITAS COISAS?
É. De premeiro, se a gente sentia a barriga inchada, tomava um purgante de azeite. Era um quarto ou três colher de metal, dependia da natureza da pessoa, e servia para limpar o intestino.

  • NESSE TEMPO TINHA MÉDICO?
Nesse tempo era difícil de médico, tinha, mas era muito difícil, as pessoas morria mais porque não tinha condução.

  • QUAIS ERAM AS DOENÇAS QUE MAIS ATACAVAM AS PESSOAS?
As doenças que mais dava nas pessoas sempre era o dordoi, sarampo, tosse brava e as mulheres morria muito de parto e bicho ruim  (ontem mesmo eu estava falando, hoje tem todo conforto, tantas mulheres que morriam do parto de premeiro - fala da mulher de sr Ninim -). Eu mesmo, minha primeira mulher morreu do parto e eu mesmo já foi o veneno de cobra daquela jararaquinha, quase que eu morro. Eu limpando uma capoeira no mês de outubro, uma lacraia dessas ribitada me pegou, eu passei oito dias com uma dor na perna e aqui no coração, mas não teve nada não. Ai passou um negócio. Dois anos a cobra me pegou aqui ó! Essa perna inchou de um jeito, eu estava mais pai fazendo uma cerca que foi ficando velha, fomos mexendo as folhas secas e casca e aí tinha uma cobrinha. A cobra me pegou e pai não viu, eu matei a cobra e tinha um pé de umbu danta, chuchei a cabeça dela e coloquei de cabeça para baixo, chequei e disse:
- Ô pai, parece quando uma cobra ofende uma coisa a gente coloca ela de cabeça para baixo?
Ele levou um espanto porque ele não viu. Daí foi que eu disse, nós estava fora de casa, aí ele me chamou logo para ir embora. Eu era o cozinheiro, que nós estava num lugar na terra que morava um cunhado meu, daí mudou, ai nós foi fazer a cerca lá que tinha ido abaixo e ainda estava a casa lá, eu só trabalhava lá de junto e cozinhando. Aí pai disse: “ó você hoje não come não, porque quem é ofendido de cobra não come no dia não, passei o dia todo sem comer nada, tinha matado um porco. O cunhado meu tinha levado um porco, e ele disse: “você não come não”, aí viemos embora logo. A perna inchou e eu marrei um cordãozinho aqui e disse, “ó pai, agora daqui não vou deixar passar não”.

  • O SENHOR SABE QUAIS TIPOS DE REMÉDIOS QUE USAVA, DA FARMÁCIA E DO MATO?
O remédio do mato assim, para criação, sempre usava unhadanta, rapava e ponhava no sol e pisava no sal e misturava alho e dava a criação, agora para a gente sempre era o purgante de azeite.

  • E COMPRAVA ALGUNS?
Sempre comprava, porque não sabia fazer; remédio da farmácia era muito difícil, na farmácia tinha, mas era muito longe e não tinha condições.

  • E SOBRE SALÁRIO, TINHA PESSOAS QUE GANHAVA DINHEIRO?
Pessoa que tinha salário era quando trabalhava para os outros. Quando era uma pessoa bem trabalhadora assim no meu tempo, a pessoa trabalhava e ganhava 5oo réis em um dia, quando era uma pessoa bem boa de serviço ganhava um mirréis por dia. Ai que foi rompendo, devagarzinho foi passando para dois mirreis, foi indo foi passando, ficou de 5, e foi indo hoje está até de 20 a 25 reais no dia. O serviço de enxadão, foice, machado, que era deste preço.
De primeiro tinha gente que às vezes tinha um terreno e o arame era difícil, fazia um valo, um esgotão que bicho não passava, ficava feito a cerca ou então, conforme fosse, passava até um varão ou dois ali no barranco né!

  • COMO ERAM OS TIPOS DE ROUPAS?
Os tipos de roupas de premeiro era comprado, às vezes tinha também roupa de linha porque a gente plantava o algodão. Minha mãe mesmo fiava, ela só não sabia era tecer, aí já tinha aquelas pessoas, tinha as mulheres velhas que tecia aquele pano para fazer as roupas, eu mesmo vesti muitas roupas destas, tratava de algodãozão.

  • COMO ERAM AS COMIDAS, ERA DIFERENTE DE HOJE?
A gente comia até bem, matava um gado e a gente comia ele todinho e, às vezes, retalhava a carne, secava e guardava na dispensa, comia muito tempo. Às vezes vendia uma banda, emprestava um quarto pra outro, para quando ele matar pagar, e era assim. Comia mandioca, mamão, banana, taioba, canjica, angu a gente comia muito, a comida mais certa era o arroz e feijão.

  • E A TERRA ANTIGAMENTE, ERA COMPRADA?
Era comprada desde antigamente, só não era comprado quem às vezes tinha uma pessoa, como um avô que tinha aquele terreno, quando ele morria, era dos herdeiros.

  • E AS BRIGAS, ERAM DIFERENTES DE HOJE?
As brigas era muito deferente das de hoje, era muito difícil, era difícil morrer uma pessoa matado, era coisa muito difícil, era uma raridade. Quando parecia uma briga, era só de braço mesmo. Naquela época, de gente que eu já vi morrer matado foi só dois, um homem que era casado com uma tia minha. Ele estava pegando pareia nuns cavalos que era bom para brincar, o do outro passou e matou ele. O outro era brigador, gostava de bater na gente e bebia muita cachaça, foi o Domingo e o Afonso.

  • E AS FESTAS ERAM DIFERENTES?
As festas eram diferentes, que de premeiro quase todo santo a gente tinha aquela devoção de rezar, né! Como Santo Antônio, Santo Reis, São Bom Jesus, era uma harmonia bonita, tinha os casamentos, era tudo unido, tinha gente que acontecia de matar até dois gado, era uma festa boa! Os toques eram de sanfona e pandeiro.

  • NAS FESTAS LUMIAVA TAMBÉM ERA COM O AZEITE?
Era com o azeite, se tinha o gás, quando a cabava, a gente usava o azeite.

  • OS DOCUMENTOS DE ANTIGAMENTE, COMO ERAM?
De primeiro, tinha gente que era assim: nascia os filhos e era alguns que registrava, outros quando ia registrar já estava de 4 anos arriba ou mais, outros nem isso, não acontecia. Quando ia registrar, já era quando ia casar, ficava muito mais disso.

  • O CASAMENTO ERA NO CARTÓRIO?
Era no padre, tinha uns que podia e casava no padre e no cartório e outros às vezes não tinha nada, casava só no padre. Não tinha isso de amigar, era muito difícil, quando acontecia era um espanto para o povo, era um erro.

  • E TINHA ESCOLA?
Escola era difícil, muita gente ficou sem aprender porque não tinha escola e era muito difícil!
O povo fazia muitas promessa, e igreja ia em outro país, caminhava de joelho para pagar a promessa. Eu mesmo, uma ocasião, tinha um burro que era muito bom, que no terreno nosso ele caiu e cortou a perna e ficou cachigando muito tempo, aí eu fiz uma promessa com o senhor Santo Antônio da Serra, que se o burro melhorasse e não ficasse com defeito, eu ia na serra no padre Negro, a hora que eu fosse chegando eu não dava conversa nenhuma e dava três voltas ao redor da igreja aí que desapiava, e o burro ficou bom.

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